quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Sonhar para continuar acordada


Na foto de 2005, o morador Errol Morning atravessa em seu barco as ruas inundadas de Nova Orleans. Devido ao Katrina, 80% da metrópole do estado da Louisiana ficou debaixo d'água. Mais de 1,8 mil pessoas morreram. Veja mais imagens em: https://www.dw.com/pt-br/dez-anos-do-furac%C3%A3o-katrina/g-18677421.
 
A discussão trazida por Chakarbarty sobre o Antropoceno e as questões em torno do lugar da história em um cenário de crise climática mundial causam incômodo. Primeiro, porque nos coloca enquanto força geológica. Ele demonstra que nós, humanos, devoramos a natureza de tal forma, tão abrupta e violenta, que fomos capazes de alterar a atmosfera, o clima, o solo. Essa perspectiva nos situa em um lugar e traz responsabilidades para com ela, demonstra que precisamos mudar radicalmente a nossa forma de lidar com a natureza. Em segundo lugar, causa incômodo por gerar um sentimento de ansiedade. Pensar que já estamos em um cenário de crise climática gera medo. Pensar que em poucos anos a tendência é uma considerável piora do estado das coisas também gera medo. No fim das contas, temos um estado de ansiedade generalizada, uma visão negativa do amanhã, a ponto de não sermos capazes de planejar futuros, de projetar, de sonhar.
Quando Ewa Domanska nos convida a pensar Humanidades que estejam voltadas para a elaboração de futuros e que se atente aos conhecimentos ancestrais constantemente silenciados e assaltados para conseguirmos realizar tal movimento, também há um incômodo. Primeiro, por exigir de nós um movimento e um movimento firme. Um movimento que nos desloque do lugar atual de futuros fechados e que nos leve a outros lugares. Segundo, porque envolve reconhecer que a nossa sociedade, branca e ocidental, já não é mais capaz de sonhar. Estamos caducos. O passado não nos importa mais, o presente é puro evento e o futuro.... não existe.

O chamado de Ewa, para as microutopias, assim como de Ailton Krenak, pensando os sonhos, e os ensinamentos riquíssimos de Jean-Bosco Kakozi Kashindi sobre a filosofia ubuntu e a bioética, dialogam entre si de forma pungente e podem nos ajudar a pensar que futuro queremos e quais humanidades necessitamos para o agora e o por vir. O reconhecimento do epistemicídio é um primeiro passo que precisa ser dado para que o movimento de sentar e de ouvir filosofias ancestrais que ainda possuem a capacidade riquíssima de pensar futuros se concretize. Sonhar é um movimento cerebral de organização de memórias do que já se foi e de perspectivas do amanhã. Que não percamos essa função cerebral que, ao meu ver, é a saída para elaborar novas formas de bem viver, de bem estar, de bem compartilhar.  

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