Em Para
além do antropocentrismo nos estudos históricos (2013), Ewa Domanska
destaca a necessidade de uma atualização nas abordagens sobre a realidade
produzidas pelas ciências humanas e sociais. O legado humanista consolidou
nesses campos do saber a centralidade do ser humano e, a partir das demandas do
mundo contemporâneo e do lugar social dos historiadores, Domanska ressalta a
importância de um conhecimento sobre o passado orientado para o futuro. Para
isso, sua proposta de abordagem é a das humanidades não centradas no ser
humano, o que proporcionaria um novo olhar sobre nossa espécie, pensando em sua
inserção na história da vida no planeta, na a agencia de coisas e seres não
humanos e nas relações existentes, tendo
em vista o curso histórico. Embora a
ideia de humanidades não-antropocêntricas possa soar contraditória, o objetivo não é excluir o papel do ser
humano nessas ciências, mas incluir agentes, os “objetos estranhos” e
“resistentes” às teorias dominantes, para a construção de saberes mais completos
e responsáveis.
A última era geológica provoca
discussões nos meios acadêmicos e não acadêmicos na atualidade, tendo em vista
a política internacional e os movimentos de organismos que trabalham com a
questão ambiental, no que tange ao poder de intervenção do ser humano no
equilíbrio da Terra. Diante disso e da possibilidade de um futuro catastrófico,
a separação entre humanos e natureza favorece a manutenção de pensamentos e
olhares que menosprezam as sérias demandas ambientais que dizem respeito à
preservação não apenas da vida humana, como também de outras espécies. Mas,
tomando como base o texto de Ewa Domanska, o pensamento sobre o lugar do ser
humano no mundo e as construções culturais e intelectuais produzidas ao longo
dos séculos e a percepção da agencia de coisas, outros seres e da própria
natureza não é algo novo. Embora possa ser ainda incipiente nas ciências
humanas e sociais, se pensarmos para além dos limites disciplinares poderemos
identificar protagonismos outros nas ciências naturais e em culturas e
religiões não-ocidentais. Uma das raízes da mencionada separação que nos
distancia dos outros seres e da natureza pode ser identificada na tradição
judaico-cristã, na qual o homem foi criado à imagem e semelhança do Deus
criador, recebendo, portanto, a razão e o domínio sobre a natureza e os
animais. Um dos pontos interessantes destacados por Domanska é que umas das
facetas do antropocentrismo, embora não de todo ruim, seria o antropocentrismo
iluminista, onde o ser humano se apresenta como o protetor da vida e do
planeta. Mas esse impulso protetor estaria sobre o anseio maior de preservar a
espécie humana, extrapolando, desse modo o ritmo natural da vida; ainda que o
ser humano provoque extinções, espécies surgem e extinguem-se naturalmente e a
sua própria raça e a natureza seguem independentemente o mesmo caminho. Ou
seja, o que temos diante de nós somos nós mesmos e o antropocentrismo
iluminista consiste num falso ou leve olhar para fora.
A construção de um conhecimento sobre o
passado com o qual se pretende orientar para o futuro envolve mudanças nos
fundamentos da ciência histórica, foco aqui de nosso olhar. Pensar a história
humana para além de sua centralidade pode ser, portanto, uma forma de
reconciliar-nos não apenas com o mundo natural ao nosso redor, mas com outras
percepções de mundo que, inferiorizadas diante de seu olhar diferente (o
sagrado, o respeito, as inter-relações, trocas, etc.), foram relegadas a formas
de esquecimento.
Imagens: Figura 1: Visão da Via Láctea no céu noturno. Figura 2: Máscara do deus do milho asteca.
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