domingo, 17 de novembro de 2019

Sobre a re-orientação do conhecimento sobre o passado.


Em Para além do antropocentrismo nos estudos históricos (2013), Ewa Domanska destaca a necessidade de uma atualização nas abordagens sobre a realidade produzidas pelas ciências humanas e sociais. O legado humanista consolidou nesses campos do saber a centralidade do ser humano e, a partir das demandas do mundo contemporâneo e do lugar social dos historiadores, Domanska ressalta a importância de um conhecimento sobre o passado orientado para o futuro. Para isso, sua proposta de abordagem é a das humanidades não centradas no ser humano, o que proporcionaria um novo olhar sobre nossa espécie, pensando em sua inserção na história da vida no planeta, na a agencia de coisas e seres não humanos  e nas relações existentes, tendo em vista o curso histórico.  Embora a ideia de humanidades não-antropocêntricas possa soar contraditória,  o objetivo não é excluir o papel do ser humano nessas ciências, mas incluir agentes, os “objetos estranhos” e “resistentes” às teorias dominantes, para a construção de saberes mais completos e responsáveis.
A última era geológica provoca discussões nos meios acadêmicos e não acadêmicos na atualidade, tendo em vista a política internacional e os movimentos de organismos que trabalham com a questão ambiental, no que tange ao poder de intervenção do ser humano no equilíbrio da Terra. Diante disso e da possibilidade de um futuro catastrófico, a separação entre humanos e natureza favorece a manutenção de pensamentos e olhares que menosprezam as sérias demandas ambientais que dizem respeito à preservação não apenas da vida humana, como também de outras espécies. Mas, tomando como base o texto de Ewa Domanska, o pensamento sobre o lugar do ser humano no mundo e as construções culturais e intelectuais produzidas ao longo dos séculos e a percepção da agencia de coisas, outros seres e da própria natureza não é algo novo. Embora possa ser ainda incipiente nas ciências humanas e sociais, se pensarmos para além dos limites disciplinares poderemos identificar protagonismos outros nas ciências naturais e em culturas e religiões não-ocidentais. Uma das raízes da mencionada separação que nos distancia dos outros seres e da natureza pode ser identificada na tradição judaico-cristã, na qual o homem foi criado à imagem e semelhança do Deus criador, recebendo, portanto, a razão e o domínio sobre a natureza e os animais. Um dos pontos interessantes destacados por Domanska é que umas das facetas do antropocentrismo, embora não de todo ruim, seria o antropocentrismo iluminista, onde o ser humano se apresenta como o protetor da vida e do planeta. Mas esse impulso protetor estaria sobre o anseio maior de preservar a espécie humana, extrapolando, desse modo o ritmo natural da vida; ainda que o ser humano provoque extinções, espécies surgem e extinguem-se naturalmente e a sua própria raça e a natureza seguem independentemente o mesmo caminho. Ou seja, o que temos diante de nós somos nós mesmos e o antropocentrismo iluminista consiste num falso ou leve olhar para fora.
A construção de um conhecimento sobre o passado com o qual se pretende orientar para o futuro envolve mudanças nos fundamentos da ciência histórica, foco aqui de nosso olhar. Pensar a história humana para além de sua centralidade pode ser, portanto, uma forma de reconciliar-nos não apenas com o mundo natural ao nosso redor, mas com outras percepções de mundo que, inferiorizadas diante de seu olhar diferente (o sagrado, o respeito, as inter-relações, trocas, etc.), foram relegadas a formas de esquecimento. 

Imagens: Figura 1: Visão da Via Láctea no céu noturno. Figura 2: Máscara do deus do milho asteca.



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