segunda-feira, 25 de novembro de 2019

A nostalgia nas discussões políticas de direita do Brasil contemporâneo.


Os últimos anos no Brasil foram de grande turbulência no espaço político, social e econômico. Em sua relação com a América Latina, percebemos, pelo escopo dos movimentos e processos dos últimos meses que os estados nacionais divididos em extremos,  enfrentam uma luta por memória e por poder que move inúmeros setores da sociedade. Svetlana Boym, no ensaio O Mal-estar da Nostalgia publicado em 2017 pela revista História da Historiografia, discorre especialmente sobre duas formas históricas de expressão desse fenômeno: a nostalgia restauradora e reflexiva. Enquanto a segunda percebe a irreversibilidade dos tempos, se caracteriza por um prazer na própria duração do tempo  embora ultrapasse os limites de espaço e calendários  – e respeita  as distancias existentes entre identidade e similaridade; a  primeira nostalgia caracteriza-se por uma relação mais estreita com o passado, podendo se constituir numa encruzilhada para o fortalecimento do patriotismo, espírito nacional e religioso, apresentando-se não como nostalgia, mas como tradição e verdade. 
Portanto, poderíamos aqui nos atentar para uma das questões que envolvem a relação do atual governo e de muitos de seus apoiadores com o regime militar. Enquanto historiadores, sociólogos, cientistas políticos, dentre outros especialistas sobre o assunto possuem trabalhos e discorrem a respeito do período histórico,  grupos de direita e extrema direita ignoram os fatos e defendem o período. Os mesmos que ignoram tais fatos utilizam discursos democráticos para reforçarem suas opiniões e conseguirem apoio de outros setores da sociedade. São evocados e promovidos em discursos nos mais diversos meios o patriotismo, espírito nacional, princípios e valores morais ligados em sua maioria com o pensamento dominante. São comuns as referências ao período monárquico, “onde a tradição e os bons costumes eram ensinados e seguidos”. É preciso mencionar, inclusive a constante ameaça comunista que perpassa o discurso político como uma trama que assombra toda a ordem social, a propriedade e as formas de liberdade. Todas essas questões que se confundem com a luta social dos sujeitos por melhores condições de vida, educação e participação efetiva na vida política, passam a ser vistas sobre o pano de fundo do comunismo. 
A partir dessas questões podemos relacionar que muitos dos elementos presentes no discurso e pensamento contemporâneos no Brasil dialogam de certa forma com uma das expressões da nostalgia:  a restauradora. Segundo Boym, “a mistura de nostalgia e política pode ser explosiva”  (BOYM, 2017, p. 155) e essa explosão se percebe pelo caráter não apenas compensatório que sua experiência pode prometer. Citando o historiador Eric Hobsbawm, a autora destaca a diferença entre o passado e as formas de representação desse passado construídas com a intenção de apresentar-se como tradições e costumes, ganhando força e legitimidade diante dos sujeitos. Enquanto a expressão reflexiva da nostalgia é mais plural, a restauradora possui uma única fórmula, ao estilo mítico e absoluto. Os tempos áureos e de prosperidade desmistificados pelas ciências são evocados nostalgicamente por muitos grupos contemporâneos no Brasil num objetivo de retorno ao que deveria ser, movendo sujeitos diversos, dentre religiosos e mesmo em meio aos mais desprovidos. A imagem da arma, as cartilhas, a marcha, a continência, a postura, a heteronormatividade e a pluralidade dentre de seus devidos lugares – a floresta, enquanto ainda existem florestas, o armário, a casa, os guetos e as covas. Portanto, como bem conclui Svetlana Boym, tendo em vista as dissidências,  “o imperativo da nostalgia contemporânea é estar saudoso da casa e enfastiado da mesma – ocasionalmente, ao mesmo tempo” (BOYM, 2017,  p. 164). 

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