Os últimos anos no Brasil foram de
grande turbulência no espaço político, social e econômico. Em sua relação com a
América Latina, percebemos, pelo escopo dos movimentos e processos dos últimos
meses que os estados nacionais divididos em extremos, enfrentam uma luta por memória e por poder
que move inúmeros setores da sociedade. Svetlana Boym, no ensaio O Mal-estar da
Nostalgia publicado em 2017 pela revista História da Historiografia, discorre
especialmente sobre duas formas históricas de expressão desse fenômeno: a
nostalgia restauradora e reflexiva. Enquanto a segunda percebe a
irreversibilidade dos tempos, se caracteriza por um prazer na própria duração
do tempo – embora ultrapasse os limites de espaço e calendários – e respeita as distancias existentes entre identidade e
similaridade; a primeira nostalgia
caracteriza-se por uma relação mais estreita com o passado, podendo se
constituir numa encruzilhada para o fortalecimento do patriotismo, espírito
nacional e religioso, apresentando-se não como nostalgia, mas como tradição e
verdade.
Portanto, poderíamos aqui nos atentar para uma
das questões que envolvem a relação do atual governo e de muitos de seus
apoiadores com o regime militar. Enquanto historiadores, sociólogos, cientistas
políticos, dentre outros especialistas sobre o assunto possuem trabalhos e
discorrem a respeito do período histórico, grupos de direita e extrema direita ignoram os
fatos e defendem o período. Os mesmos que ignoram tais fatos utilizam discursos
democráticos para reforçarem suas opiniões e conseguirem apoio de outros
setores da sociedade. São evocados e promovidos em discursos nos mais diversos
meios o patriotismo, espírito nacional, princípios e valores morais ligados em
sua maioria com o pensamento dominante. São comuns as referências ao período
monárquico, “onde a tradição e os bons costumes eram ensinados e seguidos”. É
preciso mencionar, inclusive a constante ameaça comunista que perpassa o
discurso político como uma trama que assombra toda a ordem social, a
propriedade e as formas de liberdade. Todas essas questões que se confundem com
a luta social dos sujeitos por melhores condições de vida, educação e
participação efetiva na vida política, passam a ser vistas sobre o pano de
fundo do comunismo.
A partir dessas questões podemos
relacionar que muitos dos elementos presentes no discurso e pensamento
contemporâneos no Brasil dialogam de certa forma com uma das expressões da
nostalgia: a restauradora. Segundo Boym,
“a mistura de nostalgia e política pode ser explosiva” (BOYM, 2017, p. 155) e essa explosão se
percebe pelo caráter não apenas compensatório que sua experiência pode
prometer. Citando o historiador Eric Hobsbawm, a autora destaca a diferença
entre o passado e as formas de representação desse passado construídas com a
intenção de apresentar-se como tradições e costumes, ganhando força e
legitimidade diante dos sujeitos. Enquanto a expressão reflexiva da nostalgia é
mais plural, a restauradora possui uma única fórmula, ao estilo mítico e
absoluto. Os tempos áureos e de prosperidade desmistificados pelas ciências são
evocados nostalgicamente por muitos grupos contemporâneos no Brasil num
objetivo de retorno ao que deveria ser, movendo sujeitos diversos, dentre
religiosos e mesmo em meio aos mais desprovidos. A imagem da arma, as cartilhas,
a marcha, a continência, a postura, a heteronormatividade e a pluralidade
dentre de seus devidos lugares – a floresta, enquanto ainda existem florestas,
o armário, a casa, os guetos e as covas. Portanto, como bem conclui Svetlana
Boym, tendo em vista as dissidências, “o
imperativo da nostalgia contemporânea é estar saudoso da casa e enfastiado da
mesma – ocasionalmente, ao mesmo tempo” (BOYM, 2017, p. 164).
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