quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A cultura de memória no Ocidente: entre o conhecimento e o esquecimento.






          A partir da diferenciação entre cultura ocidental e não ocidental e tendo como fundamento as culturas indígenas, a que se remetem suas origens e trabalhos, o intelectual e escritor indígena Ailton Krenak discorre em seu ensaio  Antes, o mundo não existia (1992) sobre as diferenças e semelhanças na vivência das memórias. Embora seu texto contenha uma exposição sobre a cosmovisão de seu povo, Krenak critica a forma com a qual o mundo ocidental na contemporaneidade experimenta suas memórias. O que Andreas Huyssen percebe como tentativas de combater o esquecimento – de modos diversos desde a cultura popular ao estilo de vida moderno ligado ao consumo – e que podem ser vistas como formas de compensação da constante perda da capacidade natural de retenção da memória, Ailton Krenak simplesmente destaca a distinção fria e conhecida pelos historiadores entre História e memória. Para Krenak, essa separação, a partir de sua visão de mundo, também representa a perda da capacidade de reter memórias. Essas memórias estariam, portanto, disponíveis em lugares que teriam por propósito relembrar; instituições que assumiriam o lugar da tradição de acessar o passado por meio da experimentação pelo espírito
As duas análises possuem objetivos diferentes, mas se relacionam no que tange à experimentação do tempo, embora Huyssen se prenda mais à identificação do processo de construção e retenção da memória.  Ainda que a modernidade e a globalização promovam transformações que afetam a realidade e nossa percepção de tempo e do mundo, Huyssen, no texto presente em Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia (2000), lembra que “as novas tecnologias de transporte e comunicação sempre transformaram a percepção humana na modernidade” (HUYSSEN, 2000, p. 36), sendo acompanhadas por medos e ansiedades, até serem posteriormente naturalizadas pelos sujeitos. Embora essa identificação possa ser por demais globalizante, visto que os sujeitos não são únicos e não podem ser colocados em uma “caixa de experimentação fechada”, nos atenhamos ao que ele percebe ser a transformação natural da realidade. Entretanto,  como acrescenta, completando seu argumento, “o tempo não é apenas o passado, sua preservação e transmissão” (HUYSSEN, 2000, p. 37). O tempo é e somos nele; e nos reorganizamos e reorientamos naturalmente, a partir da necessidade de constituição de  sentidos e identidades. Ailton Krenak, numa imersão em seu passado mais distante busca identificar não apenas uma memória do que foi, mas do que é e o que será; num tempo que corre como o rio ilustrado em seu texto, cujas águas nunca são as mesmas, mas que permanecem constituindo esse ser rio. 



Figura: História, do pintor grego Nikolaos Gyzis (1892).



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