A
partir da diferenciação entre cultura ocidental e não ocidental e tendo como
fundamento as culturas indígenas, a que se remetem suas origens e trabalhos, o
intelectual e escritor indígena Ailton Krenak discorre em seu ensaio Antes, o
mundo não existia (1992) sobre as diferenças e semelhanças na vivência das
memórias. Embora seu texto contenha uma exposição sobre a cosmovisão de seu
povo, Krenak critica a forma com a qual o mundo ocidental na contemporaneidade
experimenta suas memórias. O que Andreas Huyssen percebe como tentativas de
combater o esquecimento – de modos diversos desde a cultura popular ao estilo
de vida moderno ligado ao consumo – e que podem ser vistas como formas de
compensação da constante perda da capacidade natural de retenção da memória,
Ailton Krenak simplesmente destaca a distinção fria e conhecida pelos
historiadores entre História e memória. Para Krenak, essa separação, a partir
de sua visão de mundo, também representa a perda da capacidade de reter
memórias. Essas memórias estariam, portanto, disponíveis em lugares que teriam
por propósito relembrar; instituições que assumiriam o lugar da tradição de acessar
o passado por meio da experimentação pelo espírito
As duas análises possuem objetivos diferentes, mas se
relacionam no que tange à experimentação do tempo, embora Huyssen se prenda
mais à identificação do processo de construção e retenção da memória. Ainda que a modernidade e a globalização
promovam transformações que afetam a realidade e nossa percepção de tempo e do
mundo, Huyssen, no texto presente em Seduzidos
pela memória: arquitetura, monumentos, mídia (2000), lembra que “as novas
tecnologias de transporte e comunicação sempre transformaram a percepção humana
na modernidade” (HUYSSEN, 2000, p. 36), sendo acompanhadas por medos e ansiedades, até serem
posteriormente naturalizadas pelos sujeitos. Embora essa identificação possa
ser por demais globalizante, visto que os sujeitos não são únicos e não podem
ser colocados em uma “caixa de experimentação fechada”, nos atenhamos ao que
ele percebe ser a transformação natural da realidade. Entretanto, como acrescenta, completando seu argumento,
“o tempo não é apenas o passado, sua preservação e transmissão” (HUYSSEN, 2000, p. 37). O
tempo é e somos nele; e nos reorganizamos e reorientamos naturalmente, a partir
da necessidade de constituição de sentidos
e identidades. Ailton Krenak, numa imersão em seu passado mais distante busca
identificar não apenas uma memória do que foi, mas do que é e o que será; num
tempo que corre como o rio ilustrado em seu texto, cujas águas nunca são as
mesmas, mas que permanecem constituindo esse ser rio.
Figura: História, do pintor grego Nikolaos Gyzis (1892).
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