“O mundo das forças permanece como uma teria de aranha da
qual não se pode fazer vibrar um único fio sem sacudir toda a malha.” (Placide
Tempels, La Philosophie bantoue, Paris, Présence Africaine, 1945).
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A ideia do paternalismo na relação humano-natureza, apontada
por Domanska como um fator que permanece dentro do “antropocentrismo iluminista”,
me fez recordar do texto de Jean-Bosco Kakozi Kashindi, “Ubuntu como ética
africana, humanista e inclusiva”, publicado em 2017 no Cadernos IHU ideias.
Creio que as duas discussões estão interligadas, por mais diferentes que sejam,
explico:
- O que Domanska define como o paternalismo relação humano-natureza implica em um domínio humano, com base em relações hierárquicas, na sua relação com seres não-humanos. Para ela, essa é uma abordagem conservada e não progressista, com base num discurso de colonização do humano sobre o não-humano. Assim, a natureza e os outros seres são tratados como frágeis e vítimas, numa perspectiva semelhante a como são tratadas mulheres, crianças, pessoas com deficiências na sociedade ocidental. Cabe ao humano “salvar” a natureza da crise climática da qual é ele mesmo o seu autor.
- Kakozi, ao apresentar a ética ubuntu, discute o ser como uma força, assim como todas as entidades que o acompanham. As forças têm como finalidade a geração, o cuidado e a transmissão da vida. Assim, nada se move sem influenciar as outras forças. Nessa perspectiva, a vida humana depende de outras forças, outras entidades não humanas, como ar, a água, o espaço. A vida humana é recebimento e continuidade de recebimento da vida de outros seres não humanos. Aqui, a relação humano-natureza é uma relação vital. Não existe um sem o outro.
São duas formas de pensar e de existir diversas, têm
diferenças pungentes que ultrapassam para a construção da subjetividade humana.
São parecidas quando uma critica a forma como os humanos brancos ocidentais relacionam-se
com a natureza e quando a outra apresenta uma forma de existir e de coexistir
que difere completamente da crítica primeira. Como Domanska já pontuou em
outras discussões: é preciso que o humano branco ocidental abra-se a conhecer e
a ouvir experiências outras que o desloquem desse lugar colonialista e de
fechamento de futuros, para repensar modos diversos de habitar o planeta.
Compreender a natureza como algo que ultrapassa a relação de domínio, já que
sem o humano ela permanecerá existindo enquanto que o contrário não é possível,
é um primeiro passo para esse novo habitar. A ética ubuntu, a bioética
que a engendra, já entende isso há séculos: “entende-se então a vida como um
dom que emana dos antepassados, que a receberam de uma cadeia de seres
humanos e não humanos que vai até Deus, 'a grande e poderosa força vi[tal]
(semelhante, N.T.)'" (KAKOZI,
2017, p.11, grifos meus).
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