segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Seduzidos por Chernobyl


A minissérie “Chernobyl”, uma produção conjunta entre os EUA e a Inglaterra (HBO e Sky UK), estreou em maio deste ano no serviço de streaming da HBO e teve uma recepção calorosa pelos espectadores. A história, contada em 5 episódios, busca narrar o acidente nuclear da Usina Nuclear de Chernobyl, ocorrido em abril de 1986 na cidade de Pripyat, norte da Ucrânia Soviética. Não se sabe ao certo o número de vítimas, estudos variam entre 9 mil a 60 mil pessoas que foram atingidas imediatamente e posteriormente ao desastre. No IMDB, uma base de dados online de informações a respeito de filmes, séries, música, “Chernobyl” aparece com 9,5 estrelas (o máximo são 10), com base na participação de mais de 382 mil usuários. A série também levou três Emmys em 2019: melhor minissérie, melhor roteiro em minissérie e melhor direção em minissérie.


Pensar no sucesso da série e nas discussões por ela provocadas é pensar diretamente em “Seduzidos pela memória”, de Andreas Huyssen, principalmente quando o autor discute a energização que a mídia provoca nos passados presentes, impulsionando uma emergência memorialístia, além da disneyficação da memória, seja por uma questão mercadológica seja por produção de entretenimento. A abordagem de Huyssen está mais ligada ao Holocausto na Alemanha, mas é passível de deslocamento para outros eventos, como o acidente nuclear de Chernobyl.

As críticas que a minissérie da HBO e parceiros recebeu foram inúmeras, principalmente no que diz respeito ao seu caráter de propaganda anti-comunista, já que a narrativa trabalha com a culpabilização e a ausência de valores morais dos líderes soviéticos, focando na figura de Mikhail Gorbachev. Para além dessa crítica, indivíduos que vivenciarem o acidente nuclear, como Oleksiy Breus, um ex-operador da usina que estava trabalhando no dia do acidente, desconstrói algumas narrativas construídas pela série¹. Um das cenas contestadas por Breus é o momento em que mineiros cavam um túnel sob o reator tentando impedir que o núcleo derretesse e contaminasse as águas subterrâneas. Na cena da série, por conta das altas temperaturas, os trabalhadores teriam tirados as suas roupas e ficado nus. Breus confirma que eles tiraram suas roupas, mas que não foi como mostrado na TV, pontuando que a história dos mineiros retratadas na série foi irrelevante e desnecessária. Andriy Manchuk também tem ligações pessoais com a história, pois seu pai foi um dos mineiros que esteve presente no túnel e que supostamente teria sido obrigado, sob a mira de armas, a realizar o trabalho². Machuk destaca que a narrativa da série é totalmente distinta das suas memórias.

A série é enquadrada como ficção, por isso é passível a mudança na narrativa. O problema é que ela se vende como uma busca implacável pela verdade, numa perspectiva documental do contexto do acidente nuclear, inclusive pontuando que é baseada em fatos reais e teve acesso a documentos oficiais relacionados à tragédia. Novamente Huyssen surge como possível diálogo, já que a mercadorização da memória permite que ela tome outros caminhos, inclusive se apropriando de coisas que não aconteceram efetivamente. O acontecimento torna-se distorcido e também glamourizado. Nesse último ponto novamente é possível um diálogo com a série “Chernobyl”: devido ao sucesso da série, uma onda de pessoas têm ido turistar em Chernobyl e na cidade de Pripyat, companhias de turismo são responsáveis pelos tours que podem chegar a mais de 2 mil reais³. O turista também pode dormir em hotéis que se encontram na área de exclusão. Em tempos de selfies, os escombros são utilizados como cenários para as fotos, de forma semelhante ao que ocorre no memorial do Holocausto.


 

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