sábado, 30 de novembro de 2019



              A série Explicando – a Mente foi ao ar em setembro desse ano pela plataforma de streaming Netflix. Em cinco episódios de vinte minutos, ela procura explicar como o cérebro funciona no tocante a cinco aspectos: memória, sonhos, ansiedade, meditação e psicodélicos. Iremos nos ater ao primeiro dos cinco aspectos, fundamental para a construção de nossas vidas e tão caro à história, ou seja, trataremos da memória. Proponho nesta pipoca uma breve reflexão utilizando muito dos conhecimentos da neurociência acerca do funcionamento da memória em contraponto com os problemas atinentes à teoria da história e à historiografia, de forma a estabelecer uma relação entre eles e procuro, mesmo que de forma insuficiente, explicar nossa dificuldade em sonhar futuros possíveis a partir de um processo biológico.
            Comecemos com os preceitos básicos. No plano individual, a memória é um complexo sistema com propósito de preservar o passado. Porém, sabemos que não podemos confiar cegamente em nossas memórias, o que nos leva a questão inicial: como funciona o processo de lembrar? O episódio explica didaticamente que as experiências que vivemos ativam diferentes áreas do nosso cérebro, o córtex auditivo, o giro fusiforme, a amígdala, etc., para que depois elas sejam combinadas pelo lobo temporal medial, no qual se encontra o hipocampo – estrutura importantíssima da memória. Entretanto, não só os eventos do passado são ativados pelo hipocampo e, para prosseguirmos, precisamos comentar o caso de Henry Molaison. Buscando tratar epilepsia, Molaison teve seu hipocampo removido. Ele não apresentou problemas comportamentais, mas houve uma perda significativa da memória episódica, ou seja, ele conseguia se lembrar de acontecimentos históricos e de hábitos que não requerem ações conscientes, como andar de bicicleta, mas sua memória recente, o que havia feito pela manhã por exemplo, estava completamente danificada. Além disso, Molaison não conseguia mais vislumbrar futuros possíveis.
            Este evento levou a neurociência para outros caminhos. A neurocientista Donna Rose Addis comenta o experimento em que indivíduos foram submetidos a uma tomografia enquanto lembravam de experiências passadas e enquanto imaginavam experiências futuras. Foi comprovado que o mesmo complexo de áreas ativados durante a rememoração era ativado, quase que identicamente, quando imaginavam acontecimentos futuros. Desse modo, o mesmo sistema que combina diferentes peças para relembrar o passado é capaz de reunir algumas dessas peças em conjunto com outras, ativadas pela imaginação, para simular futuros. Rose Addis comenta: “[a memória] permite que previnamos erros futuros, que pensemos em como os eventos podem se desenrolar, em possíveis obstáculos no caminho e em formas de superá-los.”. Assim, podemos estabelecer que, ao deixarmos a mente vagar, reorganizamos nossas lembranças e projetamos possíveis alternativas de futuro, dito de outra forma, nos permitimos sonhar.
            Mas como isso é relevante para o campo da história? Sustento que o que transparece na neurociência para cada indivíduo, esbarra na sociedade como um todo, gerando o problema da necessidade irrefreável de relembrar passados atrelado ao medo do esquecimento. Assistimos com o advento de novas tecnologias à uma sobrecarga de lembranças e de não esquecimento. O Facebook, por exemplo, não deixa de notificar os inúmeros aniversários ou os eventos de anos atrás; podemos acessar, em tempo real, os acontecimentos de qualquer parte do mundo; consumimos disparada e repetidamente novas séries televisivas, artistas, produtos dos mais diversos tipos. Estamos desorientados com a vastidão de lembranças as quais não conseguimos decidir devidamente se devem ou não serem esquecidas, ou ainda, nas palavras de Andreas Huyssen em Passados presentes: mídia, política, amnésia: “devemos fazer um esforço para distinguirmos passados usáveis dos passados dispensáveis. ” (p. 37).
            Desse modo, é como se, neurologicamente, nosso cérebro estivesse saturado de memória e não há espaços em branco para serem reorganizados em alternativas de futuro. Estamos abarrotados e incapacitados de preencher as suas lacunas e, ironicamente, somos uma sociedade que desaprendeu a sonhar. Estamos ilhados no conforto da nossa memória, mas como bem sabemos, ela “é sempre transitória, notoriamente não confiável e passível de esquecimento”. (HUYSSEN, p.37). Talvez tenhamos que seguir as colocações de Huyssen e “lembrar o futuro”, o que aqui significa aprender a esquecer alguns passados para que seja possível alcançar um vislumbre de um futuro diferente do presente e do passado.

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O uso político da nostalgia


Como mostra Svetlana Boym, em seu texto Mal-estar na nostalgia, o sentimento nostálgico não se coloca como manifestação de uma condição meramente individual, mas sim como um sintoma característico de nossa época. De certa forma, a nostalgia se expressa como uma espécie de emoção histórica, transcendendo o espaço da doença individual e assumindo com isso uma dimensão coletiva. Num sentido mais amplo, ela poderia ser definida como um sentimento de perda e deslocamento que paira sobre uma fascinação com a própria fantasia. Nesse sentido, a sensação nostálgica não seria apenas a expressão de uma saudade local, mas resultado do sentimento de anseio por um tempo diferente, que expressa uma nova compreensão do tempo e do espaço.
Dentro do sentimento nostálgico há, portanto, uma revolta contra a ideia moderna de tempo. Ao se confrontar com essa dimensão irreversível, o nostálgico deseja o que não existe mais em um presente que está em transformação. Esse sentimento, que não se restringe ao plano da consciência individual, passa a produzir visões subjetivas resultantes desse processo de angústia que tende a se expandir não só para os domínios do campo histórico e cotidiano, mas também para os domínios da política. A expansão desse sentimento nostálgico para os campos políticos expressa a natureza paradoxal da nostalgia moderna.
O que ocorre aqui é uma substituição do pensamento crítico por laços emocionais, onde a nostalgia acaba sendo apropriada por ideologias externas que passam a utilizar desse sentimento de forma irrefletida. Com isso, as disputas políticas passam a utilizar esse anseio por uma memória coletiva para esconder as tendências fundamentalistas de seus discursos. Assim, por de trás de um surto nostálgico, manifestado pelo senso de perda não limitado a história pessoal, há uma apropriação das ideologias políticas, que fazem o uso retórico do sentimento de perda para proporem um retorno dos valores universais como uma tentativa de restauração do passado.


“Ouvi o eco da minha voz na floresta. Não é só aquela repetição; o som segue o caminho do rio. (...). Quando você encosta num barranco, naquela procissão de canoas – aí você descobre o Brasil, descobre você mesmo, descobre tudo. TXAI é a metade de mim que existe em você, é a metade de você que existe em mim. TXAI é mais que irmão, mais que amigo. Está na hora de dizer isso para os outros.”. Milton Nascimento

O álbum TXAI (1990) do cantor e compositor Milton Nascimento pode ser resgatado hoje com um novo olhar. A sonoridade do disco traz à cena o “canto dos povos da floresta”, projeto que proporcionou ao próprio Milton viajar por diversos pontos dos estados do Acre, Rondônia e Amazônia. As gravações prezam por cantos quase guturais – se compararmos ao que nossos ouvidos foram treinados a ouvir –  de diferentes povos indígenas, como os Kayapó, Yanomami, Waiapi, entre outros. A faixa que dá nome ao álbum será brevemente analisada aqui com o intuito de, a partir da sabedoria das culturas indígenas, encontrar novas abordagens e possíveis respostas para problemas que o saber científico ocidental tem se mostrado insuficiente. Ressalto, a fim de contextualizar, a fala de Ewa Domanska na qual ela problematiza a visão antropocêntrica do conhecimento científico e reforça a necessidade, caso a teoria das ciências humanas e sociais queira, de fato, responder aos problemas contemporâneos, de estender suas reflexões sobre o passado aos seres não-humanos. Para a professora de teoria e história da historiografia, “coisas, plantas e animais não-humanos também devem ser incorporados à História como algo diferente de receptores passivos de ações humanas”. (p.17).
Na faixa “Txai” percebemos uma relação direta dos homens com as coisas que os rodeiam, sejam os ventos, os rios, a floresta, etc. Não existem limites definidos de onde termina um e de onde já é o outro. As explicações para o termo Txai valorizam comparações com os elementos como o sol, a lua, o rio e o vento, vejamos: “Lá onde tudo é e apareceu / Como a beleza que o sol te deu” ou “ Te desejar como o vento”; a primeira coincide, também, com uma compreensão Yanomami acerca da criação do mundo, explorada por Davi Kopenawa – que participa do álbum – em A Queda do Céu, a qual diz: “Eles [os Yanomami] ali foram criados e vivem sem preocupação desde o primeiro tempo. ” E mais a frente: “[As palavras Omama] são muito antigas, mas os xamãs as renovam o tempo todo. Desde sempre, elas vêm protegendo a floresta e seus habitantes. Agora é minha vez de possuí-las. Mais tarde, elas entrarão na mente de meus filhos e genros, e depois, na dos filhos e genros deles. Então será a vez deles de fazê-las novas. Isso vai continuar pelos tempos afora, para sempre”. (p. 64-65). Dessa forma, percebemos outra abordagem para explicar o início dos tempos e de compreender uma cultura. No verso “Txai, tudo se chama nuvem / Tudo se chama rio / Tudo o que vai nascer”, percebemos a complexidade do tempo, já que até o que ainda não é, o que não nasceu, se comunga no presente. O tempo não é linear, como o nosso, mas cíclico. Outro verso que mostra esta complexidade é “Txai, a tua seta viajou / Chamou o tempo e parou / Dentro de nós”. Vemos uma personificação do tempo e, ainda, algo muito distante para nós, um tempo que, naquele universo, se permite estacionar. Temos talvez, nessa seta que viaja, mas que para dentro dos homens, uma compreensão diferenciada da memória? Recordo do Txai porque ele existe também em mim?
A música ensina para o ocidente que, dentre outras coisas, a compreensão do próprio ser perpassa também o conhecimento do mundo em que se está inserido. “Todos metades, todos inteiros / Todos se chamam Txai”. Este verso é um profundo ensinamento, uma consciência do outro como parte fundamental minha, a qual escapa às teorias ocidentais, e que deveríamos trazer para nossa compreensão de mundo na busca da construção de uma relação mais sustentável, ética e responsável com “as coisas, as plantas e com os animais não-humanos”.


            O discurso da deputada Benedita da Silva (PT-RJ)[1] em denúncia à ação do deputado Coronel Tadeu (PSL-SP)[2] marcou a câmara dos deputados no dia dezenove de novembro. O deputado havia destruído a placa encomendada em comemoração do Dia da Consciência Negra. Em repúdio, a deputada emocionou os presentes com seu discurso cujo conteúdo revela os passados que não cansam de retornar. Esses passados são trazidos à tona pela ação do deputado que, ao vandalizar um objeto de curadoria pública cuja mensagem consistia numa denúncia dos negros e negras assassinados neste país, revira a história e, no presente à sua maneira, violenta a população negra brasileira mais uma vez.
            A fala da deputada reforça a relação entre passado e presente, sem desconsiderar sua distância e a transformação das situações. “Nós fomos para o tronco hoje”, afirma. A violência contra a população negra é o elo entre o passado e o presente, porém um não é sobreposto ao outro de maneira leviana. A deputada prossegue “saiba deputado [Coronel Tadeu] que não existe em nós nenhum ódio, nós só queremos o nosso direito e buscamos esse direito dentro de um processo democrático.”. Podemos relacionar sua fala à nostalgia reflexiva formulada por Svetlana Boym. Para ela, a nostalgia reflexiva “não repousa sobre a recuperação daquilo que se percebe como a verdade absoluta, mas com a consideração sobre a história e a passagem do tempo”. (P. 160). O ímpeto reflexivo mostra-se mais uma vez quando a deputada afirma “minha raça sofreu no tronco e continua sofrendo quando você [deputado Coronel Tadeu] vota alguma coisa contra o interesse dos negros e das negras.”. As falas de Benedita da Silva recuperam um aspecto do passado, fragmentado, e o reconfiguram criticamente com os dados do presente, de forma que encontramos em seu discurso o compromisso com a história.


[1] Discurso da deputada Benedita da Silva. https://www.youtube.com/watch?v=ahijMbre_Qo
[2] Deputado Coronel Tadeu destrói a placa. https://www.youtube.com/watch?v=ar00fsTXR4Q


Greg News e a crise climática


O vigésimo quarto episódio da terceira temporada de Greg News foi lançado com um tema mais que urgente. O título Crise climática já anuncia a enxurrada de más notícias que receberemos ao longo de quase trinta minutos de programa. Apesar da dose bem-humorada do episódio, a sensação predominante ao final do vídeo é de profunda tristeza e um desespero a respeito de como agir frente a problemas aparentemente insolúveis. Além dos problemas que iremos enfrentar dentro de alguns anos mencionados no programa, como a falta de água, as migrações em massa e a escassez de alimentos, o que fica subentendido para nós, historiadores, adentra outro campo. Nossa ciência carece de reformulação imediata.
Dessa forma, para nós cujos trabalhos baseiam-se na premissa de que natureza e homem ou natureza e cultura são elementos desassociados e que, portanto, pertencem a áreas distintas, encontramos um novo desafio. Para Dipesh Chakrabarty em O Clima da História: quatro teses a mudança da influência da ação humana sobre a natureza impõe aos pensadores das Ciências Humanas uma reconfiguração na abordagem e escolha de objetos de pesquisa. Não podemos mais ignorar que “os seres humanos são uma força da natureza num sentido geológico” (p.10). Diante disso, como fazer História hoje? Como escrever sobre aquilo que, durante séculos, destinamos a outras áreas da ciência? Ou ainda, como romper com a distinção humanista entre história natural e história humana que se fortaleceu como as bases do pensamento historiográfico ocidental? Como reverter a separação entre humano e não-humano? As possibilidades de um futuro catastrófico requerem ações imediatas e epistemologias não ocidentais podem muito contribuir para nossa situação. Frente ao declínio do nosso mundo, é mais do que necessário olhar para aqueles que tiveram seus mundos destruídos há muito tempo e que, de alguma forma, permanecem lutando e transformando a realidade à sua volta.

O evento modernista e as construções das narrativas históricas

H. White traz a literatura do século XX, como algo que dissolve o evento modernista. Fazendo uma ampla comparação, ao dizer que essa literatura não se desenvolve de uma forma cronológica, Com outro tipo de literatura antiga, como "Guerra e Paz",no final do século XIX. Expondo uma clara diferença entre fatos e ficção. Todo historiador produz enredos, constrói narrativas, muito parecida com romance. Onde não fazemos história sem o drama, pois o contrário, seria simplesmente uma cronica de eventos. Sendo o historiador, o ser que trabalha por meio de camadas ficcionais.
Por ser colocado dentro de enredos, o acontecimento histórico é narrado em um contexto dramático (antes e depois). Algo que na contemporaneidade, apresenta uma dificuldade de construir esta narrativa. Pela dificuldade de estabelecermos um dialogo com o passado.  

O acontecimento e o sentimento de presente histórico na sociedade contemporânea

Pierre Nora traz a idade contemporânea, como uma história sem identidade e autonomia.  Com o  surgimento do acontecimento, que ocorre no ultimo terço do século XIX, pelas mãos de historiadores positivas. Nasce  uma grande característica desta história contemporânea, o sentimento de presente histórico. Onde todo dia é um dia histórico, Esse sentimento ocorre, na medida em que esses acontecimentos se propagam por meio das mídias de comunicação em massa. Sendo para Norra o papel da mídia, algo que condicionaria a existência deste acontecimento.
Pelo rádio, o mundo ouviu a narração de guerras e fortes discursos da classe operaria, movimentos estudantis políticos e poéticos. Para  Franz Fanon, o papel da voz dos árabes na guerra da Argélia, sendo  o poder da voz o mais poderoso motor da história desde os profetas e oradores gregos.
Com a televisão, esse acontecimento foi propagado de uma forma democrática, onde todas as pessoas testemunhavam acontecimentos históricos como: o desembarque do homem a lua, a invasão de Praga e a queda do muro de Berlim. Essa democracia se dá, pela pouca quantidade de canais de televisão,o que assegurava uma menor dispersão. Sendo esse acontecimento projetado, de forma espetacular.
Norra discorre "O retorno do Fato", na década de 80 do século XX.  Sendo impossível nos primeiro anos do século XXI, não relacionar a internet com a propagação instantânea do acontecimento por meio das redes. Solidificando esta ideia de presente histórico, como característica da sociedade contemporânea.

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A pretensão não antropocêntrica






Em seu artigo “Para além do antropocentrismo nos estudos históricos” Ewa Domanska nos convida a pensar na possibilidade de construção de uma história não-antropocêntrica. Ao longo do texto, a autora desenvolverá a hipótese que o desafio às pesquisas de hoje não está na elaboração de novas questões ou teorias, mas sim no deslocamento da própria investigação para uma forma de conhecimento não antropocêntrico. Entretanto, a pergunta que se coloca é a seguinte: será possível, por meio da nossa linguagem, construir uma narrativa que não seja antropocêntrica, ou o próprio ato linguístico de narrar é por si só antropocêntrico?
Essa questão coloca para nós uma reflexão sobre a própria linguagem, de modo a questionar até que ponto essa linguagem humana dá conta de incluir na narrativa esses elementos outros que fazem parte de campos linguísticos totalmente distintos, principalmente no que tange a linguagem humana acadêmico-científica. Assim, quando tentamos buscar mesclar elementos de uma história natural, ou de uma história das espécies, com a história dita humana, talvez não consigamos ir muito além do que de uma “humanização” das outras formas de ser e estar no mundo. Aqui, não digo necessariamente uma humanização no sentido de transposição literal de normas e valores, mas porque o próprio ato de narrar já é por si só humano.
Com isso, não necessariamente criamos uma forma de narrativa não antropocêntrica, mas apenas conseguimos colocar, no seio dessas narrativas, elementos outros ditos “naturais”, mas ainda sobre um filtro e uma ótica de interpretação humana. Então talvez o primeiro passo seja perceber que não conseguimos fugir totalmente de uma narrativa que não seja, em alguns pontos, antropocêntrica, mas que podemos buscar alargar os horizontes que essas narrativas abarcam. Compreender então que a narrativa histórica e a nossa linguagem são por si só elementos humanos, talvez seja o passo inicial mais significativo que possamos dar em relação a essa tentativa de escapar, ou de ao menos diminuir os efeitos, do nosso próprio antropocentrismo.

O TEMPO QUE INSISTE EM VOLTAR NA DITADURA BRASILEIRA

Em uma sangrenta America latina do século XX,  marcada por  ditaduras civil-militar, em diversos países. As comissões da verdade surge com o objetivo de debater e passar a limpo a história de suas ditaduras, no século XX. BERVENAGE. B contribui ao trazer, uma especie de novo conceito de temporalidade, para tratar as questões dessas comissões. Embasado na obra do filósofo francês Vladimir Jankélévitch. Bervenage traz uma noção temporal de um passado presente. Para as vítimas as violência, torturas, marcas e traumas da quela época. Ainda não passou. Seria um passado irrevogável, pois ele insiste em não tornar passado.
 Podemos ilustrar essa temporalidade, em um discurso do então Sr° Presidente da Republica, Jair Messias Bolsonaro, quando ainda deputado federal, no dia 17/04/2016, durante seu voto no processo de impeachment da então presidente Srª Dilma Roulsseff, vítima da ditadura civil-militar brasileira. Homenageou o seu torturador, Coronel Carlos Brilhante Ustra. Ao fazer esta menção, o então deputado faz ressurgir no interior desta vítima, toda violência sofrida durante aquele período. O passado insiste em não ir embora.

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

A literatura modernista com um olhar no Oriente



No texto “O evento modernista”, o autor Hayden White, descreve sobre esse evento, o qual surgiu no século XX trazendo uma literatura e arte em geral de uma forma mais moderna, através de um discernimento entre o discurso realista e o imaginário. A partir disso ele fala sobre as consequências da forma que a ‘literatura modernista’ poderia interferir em questões importantes para o entendimento da forma que a cultura ocidental contemporânea produz, em relação a literatura e a história de fato, como em livros, filmes, séries, que reproduzem histórias sobre a 1ª Guerra Mundial, a 2ª Guerra Mundial, o Holocausto, entre outros acontecimentos.
Essa ‘literatura modernista’, traz alguns autores nesse mesmo período do século XX, uma visão diferente de escrever sobre eventos históricos que tiveram impacto como as guerras. Através de obras como, Sidarta de Hermann Hesse, no qual em certas condições histórico-sociais, ocorre um aumento da descrença em valores morais que nos cercam, incluindo a ética cristã e a racionalidade da precisão de autoridades. Dessa maneira, após a Primeira Guerra Mundial, considerando-se todo o massacre e a destruição que o Ocidente imergira, Hesse escreve sua obra, a qual exalta a cultura oriental. Em 1946, Hesse recebeu o Prêmio Nobel de Literatura por sua figura pacifista. Após seu falecimento, outros escritores do século XX como, Somerset Maugham, um famoso escritor britânico, se inspirou no livro “Sidarta”, para escrever seu livro “O Fio da Navalha”, no qual conta a história de um jovem que traumatizado pela guerra abandona a alta sociedade americana e vai para uma peregrinação ao Ganges, em busca de uma vida tranquila e simples.

Fato ou Fake?



Na sociedade brasileira atual, estamos vivenciando um período de múltiplas narrativas tão intenso, que muitas vezes não conseguimos discernir o que é verdade ou o que é uma fakenews. Nesse sentido, me vem a mente a discussão sobre os eventos, fatos e ficção abordada por H. White. Segundo ele, os eventos se referem aos acontecimentos históricos propriamente ditos. Já os fatos referem-se às análises históricas, políticas ou sociais que são feitas dos eventos e a ficção aparece como análise mais abstrata destes eventos, como uma forma de representação da realidade.


            Mas pra que nos aprofundarmos nos acontecimentos históricos? Já não superamos a história dos grandes feitos, dos grandes homens? Talvez essas perguntas tenham um fundo de sentido, mas não há como tratarmos da história contemporânea sem abordarmos os eventos. O Presente está cada vez mais “dominado pela tirania do acontecimento” (NORA). Vivemos hoje, o tempo da velocidade, onde tudo chega rápido e tudo se vai rápido. 

            Como lidar então, com este tempo, chamado por François Hartog de “presentismo”, em que tem-se o evento e logo junto dele os seus fatos? A contemporaneidade está a todo momento aprendendo a lidar com as frequentes mudanças advindas dessa velocidade imposta por este processo histórico, mas essa nova realidade trás consigo os perigos da perca da legitimidade dos discursos históricos. Como podemos identificar então, em meio a esse emaranhado de notícias malucas, que emergem desse negacionismo histórico, o que realmente está acontecendo e o que é apenas ficção? Quais são as possibilidades de contorno dessa situação?



Notícias falsas: campanha do Senado mostra como identificar fake News

Filme "F for Fake - Verdades e Mentiras" - Legendado

O Tempo é



Dias, meses, semestres... Quando percebemos, mais um natal está de volta e o ano já se passou... Quem nunca ouviu a expressão “O tempo voou”?  Às vezes me pego pensando: como podemos lidar com esta aceleração toda? Cada dia mais, vivenciamos o distanciamento entre o que Koselleck chamou de Espaço de Experiência e Horizonte de Expectativa. A cada mudança, advinda da modernidade, nos sentimos menos representados pela vivência de nossos antepassados e, consequentemente, as gerações futuras se sentirão ainda menos representadas por nossas experiências.

O tempo: nos dedicamos tanto a tentar entendê-lo e a explicar sua relação com a história que, ás vezes, nem nos damos conta do quão rápido ele passa para essa geração moderna e, concomitantemente, como se passa devagar em sociedades menos “conectadas”. Qual a razão dessa diferenciação? Tem-se mais de um tempo ou o que muda é apenas nossas percepções sobre sua passagem? 

Nessa conjuntura, insere-se a discussão a respeito da temporalidade na sociedade moderna: como o paradigma tecnológico da informação está modificando o nosso entendimento de tempo, visto que, estamos vivendo em uma comunidade midiatizada que venera o imediatismo e, majoritariamente, não se preocupa em aprender com o passado? Tal pensamento torna-se ainda mais nítido, quando compreendemos que o progresso tecnológico viabilizou a construção de um espaço global sem fronteiras, redesenhando o sentido de tempo-espaço para o sujeito, além de permitir a explosão dessa multiplicidade de narrativas rasas.

Muitas vezes, ao não sabermos lidar com tamanha mudança e aceleração, o que percebemos é o surgimento da nostalgia como ponto de apoio ou, em extremos, como tentativa de resgate do passado, o que pode, por sua vez, ter consequências extremamente negativas, uma vez que esta pode vir acompanhada de discursos fascistas. 

O tempo, dessa forma, se mostra muito mais desafiador do que já é conseguir defini-lo. Ele representa as diferenciações históricas entre sociedades, ele marca acontecimentos históricos e separa gerações. Composto pela mistura de passados, futuros e presente, o tempo nos amedronta, contudo, inevitavelmente vai continuar a nos instigar... Mas será que conseguiremos, em algum momento, vivê-lo sem a pressão de não o estarmos perdendo?