domingo, 13 de outubro de 2019

Voyeurismo digital

Imagem: Selfie em Espelho Hex, de Anish KAPOOR.


A monstruosidade do acontecimento trazida por Nora (1995), fabricada pelas mídias de comunicação de massa atendendo a um sistema que busca a produção constante e acelerada do novo, do sensacional, remete à discussão de Byung-chul Han (2018) em relação ao homo digitalis. O filósofo sul coreano alude ao termo homo electronicus, proposto por McLuhan (1978), atualizando-o para a contemporaneidade hiperconectada, por isso o digitalis. Esse indivíduo, habitante digital da rede, não tem a capacidade de organizar-se em massa, adequando-se a um novo modelo especial de aglomeração, o enxame. São seres voláteis, como os animais que organizam-se em enxames, e apontam para um paradigma efêmero. Enquanto que a massa apresenta um espírito comum, uma topologia organizada, o enxame digital é caracterizado pela individualidade: a subjetividade de cada usuário destaca-se. Enquanto que os indivíduos organizados em massa marcham, o enxame digital dissolve-se. Não há, para Han, um espaço do agir em conjunto no universo digital, não há solidariedade.

A perspectiva do mundo digital de Han liga-se à de Nora em relação ao acontecimento monstruoso quando se pensa principalmente na necessidade da produção de acontecimentos que rege o comportamento digital. O desejo pelo novo, que caracteriza a existência acelerada dos sujeitos contemporâneos em que tudo torna-se evento, não oferece espaço suficiente para uma produção de saber, impedindo a organização e a atuação em termos práticos. O acontecimento é o maravilhoso das sociedades democráticas, como afirma Nora, é um espetáculo. O “voyeurismo” em torno do acontecimento esvazia-o de sentido, dificulta a sua articulação enquanto algo revolucionário, pois não é mais portador de raridade: tornou-se demasiadamente cotidiano. É a banalização da violência do real com pouca, ou quase nenhuma, movimentação prática e política. A declaração da atriz Luana Piovani poderia bem ilustrar o enxame digital de Han e a banalização do acontecimento em Nora:

"Eu queria postar foto dos meus filhos e tinha que postar o negócio da Amazônia, daí eu tinha que postar os golfinhos, era o tubarão, era o Leonardo DiCaprio, era o 342, era a Paula Lavigne dentro do nosso grupo falando não sei o que. Daí tem que ir para Brasília, daí não sei o que mais, daí vamos não sei o que do gay, vamos na manifestação a favor do GLSTUVXZ [em menção à sigla LGBTQ+]. Meu Deus do céu, dá muito trabalho. Não estou conseguindo postar eu bonita de biquíni. Tem quatro coisas políticas para fazer, tem cinco pessoas me pedindo coisas absolutamente importantes e relevantes".


(Disponível em: https://emais.estadao.com.br/noticias/gente,luana-piovani-fala-sobre-critica-a-paula-lavigne-nao-me-incomodo-com-fofoquinha,70003035753. Acesso em 13 de outubro de 2019.)Para compartilhar esse conteúdo, por favor utilize o link “https://f5.folha.uol.com.br/celebridades/2019/10/paula-lavigne-ironiza-luana-piovani-com-foto-de-biquini-e-ganha-apoio-de-famosas.shtml” ou as ferramentas oferecidas na página. Textos, fotos, artes e vídeos da Folha estão protegidos pela legislação brasileira sobre direito autoral. Não reproduza o conteúdo do jornal em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização da Folhapress (pesquisa@folhapress.com.br). As regras têm como objetivo proteger o investimento que a Folha faz na qualidade de seu jornalismo. Se precisa copiar trecho de texto da Folha para uso privado, por favor logue-se como assinante ou cadastrado.
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