Angústia, medo, desespero, aflição, frenesi. Esse foi a mistura de sensações propiciadas pelo período das eleições brasileiras em 2018. Todo esse êxtase de pressentimentos e intuições já propiciavam a criação de um horizonte de expectativa feito de um espaço de experiência que (ainda) não era real.
A confirmação da eleição
do atual presidente da República em outubro serviu apenas para a comprovação de
um evento que já tinha suas raízes no início do ano passado. Nesse viés, o fato
e o evento aconteceram simultaneamente, impossibilitando a existência de um
espaço necessário para o distanciamento e, por consequência, a criação da
narrativa histórica. Desse modo, todo esse acontecimento se deu de uma vez só,
criando diferentes perspectivas e diferentes visões sobre o mesmo fato.
Tal fenômeno pode ser
explicado, segundo Hayden White, pela explosão de eventos que se deu a partir
da Modernidade – falamos da modernidade no sentido de acontecimento contemporâneo
do século XX -, e que pode ressignificar o próprio conceito em questão.
Se antes, o evento foi
considerado algo natural e universal presente na narrativa histórica, White
revela o que se teve após essa concepção. À vista disso, o acontecimento e o
evento, trabalhados como sinônimos pelo autor, passam a ser caracterizados como
históricos, que se transformam ao longo do tempo e que são cada vez mais
diluídos na escrita da História.
Não se tem, a partir do
século XX, a distinção clara entre o que é real e o que é ficcional na
narrativa histórica e, todo esse processo, possibilita a criação de diversos
horizontes de expectativas baseados em diferentes espaços de experiência provenientes
de um mesmo evento.
O trauma, tem papel fundamental nesse
contexto, uma vez que passa a ser considerado uma resposta particular a uma
crise e que ainda, cria o seguinte paradoxo: a noção de se ter um problema
versus a impossibilidade de resolvê-lo. Todos nós (ou algum de nós),
entendíamos o real perigo que seria a eleição de Jair Messias Bolsonaro, mas
todos nós também, estávamos de mãos atadas, vendo todas as nossas
possibilidades de impedir que esse fato acontecesse sendo destruídas pelas
fakes News, pelo antipetismo, pelo poder da mídia e da internet.
Um dos problemas,
ressaltados por White, é justamente essa dificuldade na projeção de sentido no
presente, contrariando a facilidade de sua identificação e narração que
poderiam ser feitas antes. Como descrever nossos passados se a todo momento
eles estão presentes e vivos e que ainda, são capazes de se relacionar com as
nossas experiências atuais e, principalmente, promover uma possibilidade de
abertura para as diferentes significações feitas sobre um mesmo evento? A atribuição
de significado é feita automaticamente, por diversos ângulos, criando um
imediatismo na produção de sentido e na produção de um posicionamento.
Nessa estrutura, o mito e
a sua fabricação são amplificados e facilitados e há toda uma criação de um
tratamento estético como forma de apresentar e representar os eventos. O
próprio movimento de campanha e eleição do Bolsonaro são evidências claras
desse processo. O mito foi de fato
criado.
Os dados históricos se
tornam então, nesse cenário, insuficientes para mobilizar o passado e a
sociedade. Todas as nossas memórias sobre a Ditatura e todos as verdades que
tínhamos a partir delas passam a ser questionadas e duvidadas. A angústia, o medo,
o desespero, a aflição e o frenesi retornam à nossa realidade, deixando claro que
em nenhum momento essa amálgama
foi superada ou tida como um passado que, de fato, já passou.
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