quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O evento, o trauma e os passados presentes.

                                                       David Alfaro Siqueiro - Angústia, 1970.


          Angústia, medo, desespero, aflição, frenesi. Esse foi a mistura de sensações propiciadas pelo período das eleições brasileiras em 2018. Todo esse êxtase de pressentimentos e intuições já propiciavam a criação de um horizonte de expectativa feito de um espaço de experiência que (ainda) não era real.
A confirmação da eleição do atual presidente da República em outubro serviu apenas para a comprovação de um evento que já tinha suas raízes no início do ano passado. Nesse viés, o fato e o evento aconteceram simultaneamente, impossibilitando a existência de um espaço necessário para o distanciamento e, por consequência, a criação da narrativa histórica. Desse modo, todo esse acontecimento se deu de uma vez só, criando diferentes perspectivas e diferentes visões sobre o mesmo fato.  
Tal fenômeno pode ser explicado, segundo Hayden White, pela explosão de eventos que se deu a partir da Modernidade – falamos da modernidade no sentido de acontecimento contemporâneo do século XX -, e que pode ressignificar o próprio conceito em questão.
Se antes, o evento foi considerado algo natural e universal presente na narrativa histórica, White revela o que se teve após essa concepção. À vista disso, o acontecimento e o evento, trabalhados como sinônimos pelo autor, passam a ser caracterizados como históricos, que se transformam ao longo do tempo e que são cada vez mais diluídos na escrita da História.
Não se tem, a partir do século XX, a distinção clara entre o que é real e o que é ficcional na narrativa histórica e, todo esse processo, possibilita a criação de diversos horizontes de expectativas baseados em diferentes espaços de experiência provenientes de um mesmo evento.
 O trauma, tem papel fundamental nesse contexto, uma vez que passa a ser considerado uma resposta particular a uma crise e que ainda, cria o seguinte paradoxo: a noção de se ter um problema versus a impossibilidade de resolvê-lo. Todos nós (ou algum de nós), entendíamos o real perigo que seria a eleição de Jair Messias Bolsonaro, mas todos nós também, estávamos de mãos atadas, vendo todas as nossas possibilidades de impedir que esse fato acontecesse sendo destruídas pelas fakes News, pelo antipetismo, pelo poder da mídia e da internet.
Um dos problemas, ressaltados por White, é justamente essa dificuldade na projeção de sentido no presente, contrariando a facilidade de sua identificação e narração que poderiam ser feitas antes. Como descrever nossos passados se a todo momento eles estão presentes e vivos e que ainda, são capazes de se relacionar com as nossas experiências atuais e, principalmente, promover uma possibilidade de abertura para as diferentes significações feitas sobre um mesmo evento? A atribuição de significado é feita automaticamente, por diversos ângulos, criando um imediatismo na produção de sentido e na produção de um posicionamento.
Nessa estrutura, o mito e a sua fabricação são amplificados e facilitados e há toda uma criação de um tratamento estético como forma de apresentar e representar os eventos. O próprio movimento de campanha e eleição do Bolsonaro são evidências claras desse processo.  O mito foi de fato criado.
Os dados históricos se tornam então, nesse cenário, insuficientes para mobilizar o passado e a sociedade. Todas as nossas memórias sobre a Ditatura e todos as verdades que tínhamos a partir delas passam a ser questionadas e duvidadas. A angústia, o medo, o desespero, a aflição e o frenesi retornam à nossa realidade, deixando claro que em nenhum momento essa amálgama foi superada ou tida como um passado que, de fato, já passou.

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