Ao
narrado épico é permitida a mentira, pois, aqui, não se antevê nenhum efeito
nocivo. Assim, lá onde a mentira parece agradável, ela é permitida: a beleza e
a agradabilidade da mentira, desde que não cause danos. (NIETZSCHE, Friedrich.
Fragmentos póstumos. 19 [97], verão de 1872 – inicio de 1873; em Friedrich
Nietzsche, Sämtliche Werke)
Teria a arte cinematográfica um
alvará estético para manipular a verdade? Ou, em outros termos, para adorná-la
de mentiras? Quais seriam os parâmetros éticos que imporiam os limites ao
discurso e a representação? Todas essas questões, podem ser levantadas a partir
da leitura do texto o vento modernista de Hayden White, que coloca para
nós o tema acerca da fusão entre o real e o imaginário. De certa forma, o
problema que assola a contemporaneidade não seria mais uma interferência de
elementos imaginários em uma trama dita real, mas sim uma colocação em suspenso
da distinção existente entre real e imaginário.
Dentro desse cenário, tudo seria
apresentado como se pertencesse a mesma ordem ontológica, provocando um
enfraquecimento das funções referenciais das imagens de eventos. Nesse meio em
que a história pode ser narrada como você quiser, pois todas representações são
possíveis, a indústria cinematográfica encontrou um terreno fértil para criar
enredos que condensam a todo momento elementos imaginários e reais, não
deixando abertura uma para que se faça uma distinção entre esses dois polos. O
que acontece, entretanto, é que essa dinâmica coloca em jogo não apenas a
questão da verdade, mas também passa a envolver uma questão de responsabilidade
moral frente aos acontecimentos.
Visto que a mídia influi cada vez
mais na formação da consciência histórica, há uma problematização sobre até que
ponto a narrativa cinematográfica deve estar comprometida com uma dimensão real
dos eventos. Talvez a estética da ficção seja agradável, como diz Nietzsche,
até o ponto em que não cause danos, principalmente no que tange aos eventos
considerados traumáticos para uma coletividade. O limite dessa narrativa épica
dos eventos, e, portanto, a limitação dessa condensação estética, poderia estar
então nos danos que ela causa à construção de uma consciência histórica,
comprometendo assim a legitimidade de tais eventos perante a narrativas que não
possibilitam a distinção entre as facetas reais e ficcionais dos acontecimentos.
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