terça-feira, 22 de outubro de 2019

O limite estético da narrativa



Ao narrado épico é permitida a mentira, pois, aqui, não se antevê nenhum efeito nocivo. Assim, lá onde a mentira parece agradável, ela é permitida: a beleza e a agradabilidade da mentira, desde que não cause danos. (NIETZSCHE, Friedrich. Fragmentos póstumos. 19 [97], verão de 1872 – inicio de 1873; em Friedrich Nietzsche, Sämtliche Werke)

            Teria a arte cinematográfica um alvará estético para manipular a verdade? Ou, em outros termos, para adorná-la de mentiras? Quais seriam os parâmetros éticos que imporiam os limites ao discurso e a representação? Todas essas questões, podem ser levantadas a partir da leitura do texto o vento modernista de Hayden White, que coloca para nós o tema acerca da fusão entre o real e o imaginário. De certa forma, o problema que assola a contemporaneidade não seria mais uma interferência de elementos imaginários em uma trama dita real, mas sim uma colocação em suspenso da distinção existente entre real e imaginário.
            Dentro desse cenário, tudo seria apresentado como se pertencesse a mesma ordem ontológica, provocando um enfraquecimento das funções referenciais das imagens de eventos. Nesse meio em que a história pode ser narrada como você quiser, pois todas representações são possíveis, a indústria cinematográfica encontrou um terreno fértil para criar enredos que condensam a todo momento elementos imaginários e reais, não deixando abertura uma para que se faça uma distinção entre esses dois polos. O que acontece, entretanto, é que essa dinâmica coloca em jogo não apenas a questão da verdade, mas também passa a envolver uma questão de responsabilidade moral frente aos acontecimentos.
            Visto que a mídia influi cada vez mais na formação da consciência histórica, há uma problematização sobre até que ponto a narrativa cinematográfica deve estar comprometida com uma dimensão real dos eventos. Talvez a estética da ficção seja agradável, como diz Nietzsche, até o ponto em que não cause danos, principalmente no que tange aos eventos considerados traumáticos para uma coletividade. O limite dessa narrativa épica dos eventos, e, portanto, a limitação dessa condensação estética, poderia estar então nos danos que ela causa à construção de uma consciência histórica, comprometendo assim a legitimidade de tais eventos perante a narrativas que não possibilitam a distinção entre as facetas reais e ficcionais dos acontecimentos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário