terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Continuação da "Pipoca" : "A emergência do coletivo para um futuro possível"

Floresta do Camboatá. "Por ficar numa região de Planície, a Floresta abriga pequenos lagos, utilizados por jacarés, capivaras, e por uma espécie raríssima chamada de "peixe das nuvens". FOTO: Gustava Pedro_2019.
Pensar no futuro suscita insegurança, ao passo que as alternativas para ele, quando não são utópicas, não são as melhores. O cenário, seja no âmbito político, econômico, ambiental, possuem elementos em comum que convergem para a finalidade de aumento de capital, esse que não vê obstáculo para o seu progresso. O neoliberalismo, então, com a desumanização do sujeito, à medida que este é cada vez mais visto como mercadoria, tal como a natureza, faz emergir um novo chamado historiográfico, qual seja, repensar o escrever histórico, incluindo elementos outros, que não só o humano, visando alcançar uma nova racionalidade, a partir do ativar de uma nova consciência: a ambiental.  

Reflexo dessa necessidade, por exemplo, é o caso da floresta de Camboatá, que possui importância significativa por fazer parte da Mata Atlântica do Rio de Janeiro. Nesse lugar, é desejo da prefeitura dessa cidade a construção de um autódromo, fato que acarretaria a morte de mais de cem árvores, além de aves, répteis e mamíferos. Isso reflete a forma como o meio ambiente é desvalorizado, mesmo que hoje tenhamos demandas mundiais para a conservação do mesmo. Nesse sentido, temos o discurso da ativista Greta Thunberg, no qual ela fala: “Nós estamos vivenciando o começo de uma extinção em massa. E tudo o que vocês fazem é falar de dinheiro e de contos de fadas sobre um crescimento econômico eterno. Como vocês se atrevem?” 
"Um tiê-sangue, ave endêmica do Brasil, simbolo da Mata Atlântica, encontrada numa área litorânea que vai da Paraíba e Santa Catarina. " FOTO: Gustavo Pedro_2019. 
É diante dessas novas questões, que mais uma preocupação é posta aos historiadores, à medida que relativização e a falta de consciência de certos eventos da história se ampliam também aos desastres ambientais que vivemos, isso parece ser uma tendência cada vez mais comum, como resposta a um receio, ansiedade de encarar e se planejar para um futuro que tenha a continuidade e as consequências de tais coisas relativizadas. Assim contrastando com o tempo do imediatismo, temos os processos da natureza, que seguem um desenrolar mais lento, que projeta a concretização das consequências do mal-uso dos seus recursos para um futuro. Nisso, parece que se torna cada vez mais emergente a conciliação do tempo da vivência humana – do imediato – com o tempo mais lento, mas que vem se alterando de modo gradativo, a fim de se refletir melhor em possibilidades de ação no hoje para garantir possibilidades de futuro.  
A vista disso, Ewa Dosmanka defende que tanto os referencias teóricos, quanto as ferramentas de interpretação presentes até então no campo da história, não são suficientes para suprir as disposições das questões atuais. Sendo necessário então levar em consideração a situação atual, a luz do novo panorama que a tecnologia criou. Para mais, a historiadora acrescenta que os conhecimentos produzidos sobre o holocausto, por exemplo, não foram capazes de evitar crimes contra a humanidade, a guerra na ex-Iugoslávia ou do genocídio em Ruanda. Com isso, ela considera que precisamos produzir um conhecimento, uma ciência humana que tenha valor de sobrevivência, que visa a continuidade das espécies.  
Em seu texto “O que é o contemporâneo”, Giorgio Agamben defende a ideia de que somos o elemento passageiro enquanto a natureza é o permanente, em razão de nosso tempo de existência em relação a ela ser mais finito. Partindo disso, percebemos que apesar de tal definição a natureza dá sinais cada vez mais retumbantes de que a ação humana sobre ela pode mudar tal permanência, a limitando a uma vida mais curta. Essa ação do sujeito sobre a natureza contribui para reafirmar uma nova situação historiográfica, no sentido da necessidade de pensar o futuro além do humano. Este que, por sua vez, se torna um agente geológico, dotado de força capaz de mudar e comprometer o destino da humanidade no futuro; em uma era na qual, por parte de alguns cientistas, atribui-se o nome de Antropoceno, como afirma Dipesh Chakrabarth em seu texto “O clima da História: Quatro Teses”. 
Visando pensar possibilidades para um futuro percebemos que mais do nunca, se torna necessário recorrer a outros tipos de conhecimentos, como o do povo indígena, que possui uma maior consciência do espaço ambiental justamente por estar nele e conhece-lo, não o tendo como um elemento mercantilizado que proporciona o lucro. É esse estar em contato com o meio ambiente - que aliás é uma experiência até mesmo atípica para os moradores dos grandes centros urbanos -  faz desde acompanhar o processo de desenvolvimento de uma planta, até a ação, por exemplo, de uma praga sobre ela, que possibilita, de certo modo o desenvolvimento da empatia com esse local, à medida que viabiliza a vivência com esses processos naturais, de um tempo mais lento, possibilitando assim tanto uma valorização, quanto uma preservação. Ao passo, que o sujeito não se sente alheio a esse meio.  
A nova situação historiográfica, possui como característica, como defende Chakrabarth: o fim da velha distinção humanista entre história natural e história humana, distinção está que considera que a história natural só possui uma história à proporção que os sujeitos criassem uma narrativa para ela. Porém, hoje esse sujeito, como já dito anteriormente, é um agente geológico, dotado de força geológica de transformação, de modo que suas responsabilidades pelo meio natural aumentam em congruência com as suas ações enquanto agentes geológicos.  
Nesse contexto, o meio ambiente se apresente muito além de um plano de fundo para ação do homem, em razão que a ação do homem sobre ela, como uma força, torna necessária a todos  pensar novas formas de estar no mundo, já que as condições essenciais de existência, como a estabilidade climática, o desaparecimento de espécies animais e também vegetais, o esgotamento de água doce, dentre outros se apresentam como fator preocupante, comum a todos, de possibilidade de construir narrativas futuras. Portanto, a emergência de se pensar um “nós” coletivo, enquanto espécie, como defende Chakrarabarth e Domanska, respectivamente, não em um sentido de identificação comum, mas partindo da diferença que também compõe esse “nós”, como possibilidade de projetar futuros possíveis de permeância a todas as espécies é imprescindível. 
Referências Bibliográficas 
DOMANSKA, Ewa. Para Além do antropoceno nos estudos históricos. Revista Expedições: Teoria da História & Historiografia V. 4, N.1, janeiro-julho de 2013. 
KAZ, Roberto. A chicana, uma floresta contra o autódromo de Crivella e Bolsonaro. Revista Piauí. Edição 158 | novembro_2019. Disponível em<https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-chicana//>Acesso em: 20/11/2019. 
CHAKRABARTH, Dipesh. O clima da história: Quatro Teses. Disponível em <http://www.culturaebarbarie.org/sopro/n91s.pdf>Acesso em: 20/11/2019. 

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