terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Da irrevogabilidade à tentativa de volta ao passado autoritário


A questão introduzida por Bevernage no seu texto História, Memória e Violência de Estado: Tempo e Justiça traz as seguintes questões: se a História com a concepção passadista é construída a partir da (distância ou ausência) como fundamentar o "dever de memória" após os eventos traumáticos do século XX? Ou como se voltar ao passado como reparação e justiça através do entendimento tradicional da história de rompimento com o presente, portanto sendo o passado inacessível?
O texto traz a questão das diferenças entre o tempo histórico e o tempo da justiça na busca de uma definição conceitual de tempo histórico necessária para lidar com o passado de maneira ética, sem esquecimento dos eventos históricos traumáticos. No esteio dessa forma de pensar está o conceito de irrevogabilidade, pensamento que Bervernage discute a partir do filósofo francês Vladimir Jankélévitch.
A irrevogabilidade seria a flexão temporal entre passado e presente, espécie de continuidade temporal que permite ser uma ferramenta importante para lidar com eventos traumáticos e julgamentos de Estado em relação aos regimes ditatoriais e totalitários do século vinte. Pensar o passado apenas como irreversível, algo que cria distância total do presente para se pensar historicamente, permite que eventos de anistias para perpetradores da violência do Estado e os sofrimentos dos mortos caiam no esquecimento, fazendo da História um instrumento para o esquecimento de eventos que tem o dever de serem lembrados.
Dessa forma, em pleno 2019 aparece discursos proferidos por representantes do Estado brasileiro na direção de um revisionismo barato acerca dos direitos humanos violados das vítimas da ditadura militar. O presidente da república, Jair Bolsonaro, recentemente intimidou de forma covarde o presidente da OAB que teve seu pai torturado e morto pela ditadura militar, onde ficou comprovado pela comissão da verdade não ter esse nenhuma ligação com a guerrilha armada - argumento falso em que se baseou o presidente para proferir as seguintes palavras: “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”
. A perspectiva histórica atual de uma figura do Estado discursa não a partir da irreversibilidade, mas de uma volta ao passado, autoritária e violenta. Desse modo, não é essa atitude a irrevogabilidade do passado, sinônimo de uma perspectiva temporal que atua em prol da memória e reparações das vítimas frente à violência do Estado. Então, tais atitudes reforçam uma política do esquecimento, mesmo através da atitude de reviver nostalgicamente um passado autoritário. Pois, temporalmente não há como reviver de modo ontológico algo que já foi, mas há como politicamente usar essa lembrança nostálgica do autoritarismo para aliviar as tensões criadas entre os militares brasileiros dentro do Estado; isso significa abrandar os crimes cometidos pelos perpetradores, a ausência do Estado no seu “dever de memória” em relação à sociedade, vítima da violência deste. Trocando em miúdos, soa como tentativa de suprimir a memória coletiva.


Retrato ao fundo de Fernando Augusto de Santa Cruz,  ex integrante da Ação Popular e estudante secundarista, pai do atual presidente da OAB,  foi torturado e morto pela ditadura militar. Na imagem, sua mãe, Elzita, que lutou até os últimos dias de vida pela justiça do Estado frente aos crimes cometidos contra seu filho na ditadura. 


Referências

BEVERNAGE, Berbere. História, Memória e Violência de Estado: Tempo e Justiça. Editora Milfontes. Espírito Santo, 2018. 

PUTTI, Alexandre. Bolsonaro ataca pai de presidente da OAB morto na ditadura militar. Revista Carta Capital, 9 Jul, 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-ataca-pai-de-presidente-da-oab-morto-na-ditadura-militar/>  Acesso em: 3/12/2019.

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