A questão introduzida por Bevernage no seu texto História, Memória
e Violência de Estado: Tempo e Justiça traz as seguintes questões: se a História com a
concepção passadista é construída a partir da (distância ou ausência) como
fundamentar o "dever de memória" após os eventos traumáticos do século XX? Ou como se voltar ao passado como
reparação e justiça através do entendimento tradicional da história de
rompimento com o presente, portanto sendo o passado inacessível?
O texto traz a questão das diferenças entre o tempo histórico e o
tempo da justiça na busca de uma definição conceitual de tempo histórico
necessária para lidar com o passado de maneira ética, sem esquecimento dos
eventos históricos traumáticos. No esteio dessa forma de pensar está o conceito
de irrevogabilidade, pensamento que Bervernage discute a partir do filósofo
francês Vladimir Jankélévitch.
A irrevogabilidade seria
a flexão temporal entre passado e presente, espécie de continuidade temporal
que permite ser uma ferramenta importante para lidar com eventos traumáticos e
julgamentos de Estado em relação aos regimes ditatoriais e totalitários do século vinte. Pensar o passado apenas como irreversível, algo que cria distância total
do presente para se pensar historicamente, permite que eventos de anistias para
perpetradores da violência do Estado e os sofrimentos dos mortos caiam no
esquecimento, fazendo da História um instrumento para o esquecimento de eventos
que tem o dever de serem lembrados.
Dessa forma, em pleno 2019
aparece discursos proferidos por representantes do Estado brasileiro na direção
de um revisionismo barato acerca dos direitos humanos violados das vítimas da
ditadura militar. O presidente da república, Jair Bolsonaro, recentemente intimidou
de forma covarde o presidente da OAB que teve seu pai torturado e morto pela
ditadura militar, onde ficou comprovado pela comissão da verdade não ter esse nenhuma ligação com a guerrilha armada - argumento falso em que se baseou o presidente para proferir as seguintes palavras: “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele”
. A perspectiva
histórica atual de uma figura do Estado discursa não a partir da irreversibilidade, mas de uma volta ao passado, autoritária e violenta. Desse modo, não é essa atitude a irrevogabilidade do passado, sinônimo de uma
perspectiva temporal que atua em prol da memória e reparações das vítimas
frente à violência do Estado. Então, tais atitudes reforçam uma política do
esquecimento, mesmo através da atitude de reviver nostalgicamente um passado
autoritário. Pois, temporalmente não há como reviver de modo ontológico algo
que já foi, mas há como politicamente usar essa lembrança nostálgica do
autoritarismo para aliviar as tensões criadas entre os militares brasileiros
dentro do Estado; isso significa abrandar os crimes cometidos pelos
perpetradores, a ausência do Estado no seu “dever de memória” em relação à
sociedade, vítima da violência deste. Trocando em miúdos, soa como tentativa de
suprimir a memória coletiva.
Referências
BEVERNAGE, Berbere. História, Memória e Violência de Estado: Tempo e Justiça. Editora Milfontes. Espírito Santo, 2018.
PUTTI, Alexandre. Bolsonaro ataca pai de presidente da OAB morto na ditadura militar. Revista Carta Capital, 9 Jul, 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-ataca-pai-de-presidente-da-oab-morto-na-ditadura-militar/> Acesso em: 3/12/2019.
Referências
BEVERNAGE, Berbere. História, Memória e Violência de Estado: Tempo e Justiça. Editora Milfontes. Espírito Santo, 2018.
PUTTI, Alexandre. Bolsonaro ataca pai de presidente da OAB morto na ditadura militar. Revista Carta Capital, 9 Jul, 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/bolsonaro-ataca-pai-de-presidente-da-oab-morto-na-ditadura-militar/> Acesso em: 3/12/2019.
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