terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Nostalgia e o discurso político

A nostalgia é conceituada por Svetlana Boym como o desejo por um lar que não existe mais ou nunca existiu, um sentimento de perda e deslocamento, mas também fascinação com a própria fantasia. Em Mal-estar na nostalgia, Boym apresenta tal conceito colocando-o como uma emoção histórica, um sintoma contemporâneo à própria modernidade, logo, uma compreensão coletiva de espaço e tempo que anseia por algo diferente do que se é vivido. A nostalgia tem como parte de sua essência a revolta contra o tempo moderno, a recusa de se render a irreversibilidade do mesmo, logo, é um desejo de se experimentar outro tempo no que se vive.
A angústia criada pela impossibilidade deste desejo pode tanto se expandir para o plano pessoal, do dia-a-dia, como no da política. Assim, Boym diferencia a nostalgia em duas tipologias: a restauradora e a reflexiva, respectivamente nostos (casa) e algia (anseio).  A primeira tende a se impor dentro do espaço público, apresentando o retorno às origens como parte central, enquanto a segunda se preocupa com o tempo histórico em um âmbito mais individual, talvez aceitando a impossibilidade de mudança do passado.
            A nostalgia restauradora vem sendo utilizada quase que como mote central de governos com características autoritárias, como o lema “Make America great again” de Donald Trump nos Estados Unidos (Fazer a América grande de novo, em tradução), ou quando Jair Bolsonaro faz qualquer fala que coloca a época da ditadura civil-militar como superior à vivida atualmente. O desejo de se restaurar o passado, do retorno à um período de glórias e crescimento, pode fazer parte da memória coletiva de diversos grupos que buscam tanto se impor ideologicamente como voltar a uma época de poder aquisitivo maior e enraizamento de valores como a pátria e a família. A nostalgia é elemento central do argumento do discurso político na atualidade, se valendo do sentimento coletivo de perda, característico da própria modernidade, para impor projetos de poder escusos.


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