Em História,
Memória e Violência de Estado (2018), Berber Bevernage discute sobre as
relações existentes entre história,
justiça e ética. A partir de duas concepções díspares, representadas
pelo autor através dos pensamentos de Friedrich Nietzsche e Walter Benjamin,
Bevernage propõe, tendo como referência o filósofo Vladimir Jankélévitch, uma
abordagem que considere a inalteridade do passado (ou realidade histórica) para
além de uma visão dicotômica entre absolutas presença e ausência. Enquanto em
Benjamin encontramos a defesa de uma “solidariedade anamnésica” entre os vivos
e os mortos, no sentido de uma reparação de injustiças cometidas no passado, em
Nietzsche – tendo em vista a percepção da modernidade ocidental – temos um olhar centrado no presente; ou seja,
“a humanidade deveria abandonar a esperança por justiça histórica e
necessitaria aprender a esquecer” (BEVERNAGE, 2018, p. 28).
Em entrevista concedida ao programa Roda
Vida, da TV Cultura, o então candidato à presidência da República, Jair
Bolsonaro, questionado sobre a política de cotas nas universidades, respondeu afirmando ser essa uma iniciativa
injusta que favorecia uns em detrimento de outros. Seu argumento, baseado em
verdades a-históricas, possui afirmações que buscam deslegitimar lutas e
conquistas sociais não apenas no país, mas no globo. Atenhamo-nos aqui,
entretanto, ao que o candidato e hoje presidente eleito declarou: que não há
dívida histórica pela escravidão no Brasil. Nos últimos tempos no Brasil têm
sido comum a identificação de afirmações que colocam em xeque questões já
discutidas pelas ciências humanas e sociais e as conclusões de Bolsonaro na
entrevista concedida durante a campanha eleitoral repercutam-se entre
apoiadores e pessoas sem muita instrução. Recentemente, o novo presidente
indicado ao cargo de liderança da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento de
Camargo, fez declarações polêmicas sobre as lutas sociais e de memória do
movimento negro. Desse modo, alinhado ideologicamente ao arsenal que compõe o
governo, temos um indivíduo negro que afirma que não existe racismo num país
com um passado escravista como o Brasil.
Berber Bevernage discorre em sua
referida obra sobre a justiça de transição, que seria marcada por uma
necessidade de reparação e respostas legais após regimes repressivos na
história. Mas mesmo diante das transformações políticas e culturais no ocidente,
a partir da década de 1980, fenômenos como a nova onda de conservadorismo e também
o negacionismo ressurgem, trazendo novas ou velhas abordagens e concepções como
as ressaltadas por Bevernage; cito a reconciliação pelo esquecimento, e a
memória sombria, porém distante. É comum ouvirmos atualmente que o vitimismo e
o racismo tomou conta do discurso de esquerda e do movimento negro; ou mesmo
coisas mais absurdas como a recente fala de Sérgio Nascimento de Camargo, ao
afirmar que a escravidão teria sido benéfica aos africanos que recebiam aqui no
Brasil, durante o período da escravidão, uma vida melhor do que na África; ou
ainda, Bolsonaro que defendeu piamente no
programa Roda Viva que os portugueses não pisaram na África. Por fim, uma das
questões abordadas por Bevernage que aqui retomo para concluir, diz respeito ao
direito coletivo pela verdade, cuja saída mais confiável é uma ciência
histórica que preze pelo rigor e pela crítica constantes, tendo em vista a trajetória
do campo do saber, suas limitações e desafios. Seja como for, o esquecimento e
o negacionismo sistemáticos nunca foi e nunca será o melhor caminho.
Imagem: http://pretosnovos.com.br/museu-memorial/
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