segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

História, memória, justiça e esquecimento.


           
Em História, Memória e Violência de Estado (2018), Berber Bevernage discute sobre as relações existentes entre história,  justiça e ética. A partir de duas concepções díspares, representadas pelo autor através dos pensamentos de Friedrich Nietzsche e Walter Benjamin, Bevernage propõe, tendo como referência o filósofo Vladimir Jankélévitch, uma abordagem que considere a inalteridade do passado (ou realidade histórica) para além de uma visão dicotômica entre absolutas presença e ausência. Enquanto em Benjamin encontramos a defesa de uma “solidariedade anamnésica” entre os vivos e os mortos, no sentido de uma reparação de injustiças cometidas no passado, em Nietzsche – tendo em vista a percepção da modernidade ocidental –  temos um olhar centrado no presente; ou seja, “a humanidade deveria abandonar a esperança por justiça histórica e necessitaria aprender a esquecer” (BEVERNAGE, 2018, p.  28).
Em entrevista concedida ao programa Roda Vida, da TV Cultura, o então candidato à presidência da República, Jair Bolsonaro, questionado sobre a política de cotas nas universidades,  respondeu afirmando ser essa uma iniciativa injusta que favorecia uns em detrimento de outros. Seu argumento, baseado em verdades a-históricas, possui afirmações que buscam deslegitimar lutas e conquistas sociais não apenas no país, mas no globo. Atenhamo-nos aqui, entretanto, ao que o candidato e hoje presidente eleito declarou: que não há dívida histórica pela escravidão no Brasil. Nos últimos tempos no Brasil têm sido comum a identificação de afirmações que colocam em xeque questões já discutidas pelas ciências humanas e sociais e as conclusões de Bolsonaro na entrevista concedida durante a campanha eleitoral repercutam-se entre apoiadores e pessoas sem muita instrução. Recentemente, o novo presidente indicado ao cargo de liderança da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo, fez declarações polêmicas sobre as lutas sociais e de memória do movimento negro. Desse modo, alinhado ideologicamente ao arsenal que compõe o governo, temos um indivíduo negro que afirma que não existe racismo num país com um passado escravista como o Brasil.
Berber Bevernage discorre em sua referida obra sobre a justiça de transição, que seria marcada por uma necessidade de reparação e respostas legais após regimes repressivos na história. Mas mesmo diante das transformações políticas e culturais no ocidente, a partir da década de 1980, fenômenos como a nova onda de conservadorismo e também o negacionismo ressurgem, trazendo novas ou velhas abordagens e concepções como as ressaltadas por Bevernage; cito a reconciliação pelo esquecimento, e a memória sombria, porém distante. É comum ouvirmos atualmente que o vitimismo e o racismo tomou conta do discurso de esquerda e do movimento negro; ou mesmo coisas mais absurdas como a recente fala de Sérgio Nascimento de Camargo, ao afirmar que a escravidão teria sido benéfica aos africanos que recebiam aqui no Brasil, durante o período da escravidão, uma vida melhor do que na África; ou ainda, Bolsonaro que  defendeu piamente no programa Roda Viva que os portugueses não pisaram na África. Por fim, uma das questões abordadas por Bevernage que aqui retomo para concluir, diz respeito ao direito coletivo pela verdade, cuja saída mais confiável é uma ciência histórica que preze pelo rigor e pela crítica constantes, tendo em vista a trajetória do campo do saber, suas limitações e desafios. Seja como for, o esquecimento e o negacionismo sistemáticos nunca foi e nunca será o melhor caminho.


Imagem: http://pretosnovos.com.br/museu-memorial/

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