terça-feira, 3 de dezembro de 2019

É preciso acabar com a guerra contra natureza, diz chefe da ONU.


O ano é 2019 e um encontro da cúpula da ONU se reúne em Madrid para ratificar o tratado de Paris de 2015, o qual estabeleceu metas para redução gradual da emissão de gases CO2  na atmosfera. O presente emergente que pauta o encontro na Espanha tem como emergência a diretriz para os países se tornarem neutros na emissão de gases até 2050. Desse modo, a matéria dessa semana aborda, mais uma vez, o entendimento de que o homem está impactando nos desastres ambientais que recorrentemente vem acontecendo nas últimas décadas, assim como está contribuindo para o aumento brutal da temperatura do planeta com a emissão de gases que poluem a atmosfera, desequilibrando os níveis dos mares com o derretimento colossal das geleiras.
O Secretário-Geral da ONU Antonio Guterres definiu como “guerra contra a natureza” o voraz desenvolvimento baseado em fontes de energias não-renováveis. Tal guerra foi discutida por Dispesh Chakrabarty como força geológica da agência humana, que a partir do conceito de Antropoceno introduzida por Paul J. Crutzen e Eugene Stormer no início do século XXI, trouxeram uma nova concepção sobre a relação entre homem e natureza. Desde então acredita-se que estaríamos em uma nova era geológica, pós-Holoceno – período geológico que teria surgido há 10 mil anos atrás com a revolução agrícola.
O ensaio de Chakrabarty intitulado O clima da História: quatro teses apresenta quatro teses, onde no geral traz para o campo da história a necessidade de se pensar a agência humana a partir da distinção iluminista de homem\natureza. Pensar as ações humanas como forças da natureza, geológica, implica repensar concepções de história a partir da espécie, ou seja, de passados anteriores à atribuição da razão que teriam permitido a existência humana enquanto espécie – os processos geológicos que permitiram a revolução agrícola e a guinada do homem posterior à industrialização. Pensá-lo a partir de espécie permitiria compreender historicamente o homem enquanto consciente de seu caráter antropogênico enquanto possibilidade para o futuro da existência humana. Embora ainda seja de certa forma baseada no especismo, mas contribuição importante para pensar nosso futuro enquanto sociedade e a existência da história de forma sustentável e crítica em relação a perspectiva humanista. O presente surge como emergência em um tempo onde as decisões políticas são cada vez mais curtas, estaríamos fadados a extinção futura pensando a esfera política como incapaz de acompanhar mudanças tão catastróficas?

Referências



Irreversibilidade, tempo histórico X tempo da justiça e trauma



“Pensar sobre as vítimas da injustiça histórica com seriedade” é um dos pontos centrais do livro de Berber Bevernage, além da proposição de repensar o tempo histórico e sua irreversibilidade. Compreender o papel do discurso histórico na mediação dos passados violentos e autoritários perpetrados pelo Estado e o sentido e “alcance ético” das comissões de justiça, como a própria Comissão da Verdade brasileira, são temas latentes dentro do período de instabilidade institucional e retomada de memórias da Ditadura Civil-Militar que experimentamos. 
Bevernage coloca que a própria noção de tempo histórico que normalmente utilizamos no trabalho como historiador é mais coerente com a dos torturadores do que com a dos torturados. Abordar um passado como irreversível e irrevogável vai de acordo com a ideia de que os processos temporais acontecidos simplesmente aconteceram, e nada pode ser feito. Uma das proposições centrais do texto se liga justamente à diferenciação do tempo histórico de um “tempo da justiça”. Uma contraposição entre o afastamento do passado como forma de resolução de demandas e da luta pelo reconhecimento da permanência do mesmo, da existência do trauma nos sujeitos afetados e da necessidade de cancelamento do efeito nocivo através do cumprimento de uma pena.
Desta forma, a história modernista seria uma instrumentação utilizada para o esquecimento de eventos que não podem ser esquecidos, enquanto traumas permanecem mais reavivados com a exaltação de torturadores por chefes de Estado com tendências autoritárias.  Compreender a talvez indistinta separação entre passado e presente para exercer uma política de reparação que de fato funcione é essencial, assim como a escuta dos sujeitos que passaram pelo trauma e a ampliação de suas vozes não somente como vítimas, mas como corpus documentais da própria história. 
  
Referências

BEVERNAGE, Berber. História, Memória e Violência de Estado: Tempo e Justiça. Editora Milfontes. Espírito Santo, 2018. 

Nostalgia e o discurso político

A nostalgia é conceituada por Svetlana Boym como o desejo por um lar que não existe mais ou nunca existiu, um sentimento de perda e deslocamento, mas também fascinação com a própria fantasia. Em Mal-estar na nostalgia, Boym apresenta tal conceito colocando-o como uma emoção histórica, um sintoma contemporâneo à própria modernidade, logo, uma compreensão coletiva de espaço e tempo que anseia por algo diferente do que se é vivido. A nostalgia tem como parte de sua essência a revolta contra o tempo moderno, a recusa de se render a irreversibilidade do mesmo, logo, é um desejo de se experimentar outro tempo no que se vive.
A angústia criada pela impossibilidade deste desejo pode tanto se expandir para o plano pessoal, do dia-a-dia, como no da política. Assim, Boym diferencia a nostalgia em duas tipologias: a restauradora e a reflexiva, respectivamente nostos (casa) e algia (anseio).  A primeira tende a se impor dentro do espaço público, apresentando o retorno às origens como parte central, enquanto a segunda se preocupa com o tempo histórico em um âmbito mais individual, talvez aceitando a impossibilidade de mudança do passado.
            A nostalgia restauradora vem sendo utilizada quase que como mote central de governos com características autoritárias, como o lema “Make America great again” de Donald Trump nos Estados Unidos (Fazer a América grande de novo, em tradução), ou quando Jair Bolsonaro faz qualquer fala que coloca a época da ditadura civil-militar como superior à vivida atualmente. O desejo de se restaurar o passado, do retorno à um período de glórias e crescimento, pode fazer parte da memória coletiva de diversos grupos que buscam tanto se impor ideologicamente como voltar a uma época de poder aquisitivo maior e enraizamento de valores como a pátria e a família. A nostalgia é elemento central do argumento do discurso político na atualidade, se valendo do sentimento coletivo de perda, característico da própria modernidade, para impor projetos de poder escusos.